quinta-feira, 1 de maio de 2008

AMÁLIA RODRIGUES


Triste semblante o de Amália. Triste e bonito. Olhos sonhadores, aveludados, negros, boca rasgada, cabelos naturalmente ondulados. Um ar pálido na face meiga. Triste semblante o de Amália. Triste e bonito.
Nasceu num dia de Julho — o primeiro, por sinal — e pelas ruas da velha Mouraria a alegria comunicativa dos festejos populares misturou-se com transbordar eufórico do mais simples e modesto casal da Rua Martim Vaz.
Errante e nómada como todos os artistas, o pai da pequenita Amália — musico de profissão — continuou percorrendo o Pais, acorrentado, agora, por fortes elos de paixão e amor a criança que Deus ofertara aquele lar humilde e pobre. E todos eram felizes.
Celeste veio ao Mundo no Fundão, bem junto a montanhosa al­titude da Serra da Estrela. Amália tinha então três anos, e, nesse dia, recebeu o melhor e mais terno presente da sua vida de mulher e artista.
Um dia o pai decidiu: iriam viver todos para Lisboa. Celeste pulou de contentamento, alegre, cheia de vivacidade. A irmã não quebrou um só traço fisionómico. Triste semblante o de Amália, mesmo criança. Triste e bonito.
Com a sua permanência na ca­pital do Império, talvez pelo contacto com as demais raparigas da sua idade, Amália começou decorando versos e melodias. E, a noitinha, quando o luar não terno espaço para afagar a rua, e as casinhas mal alinhadas das calçadas íngremes terna de se curvar a magia da noite, Amália senta-se junto a Janela, reclina um pouco o seu perfil delineado nos contornos da meia luz e canta. Canta com um sentimento nostálgico e estranho, como nostálgica e estranha é a sua alma sofredora.
Depois, veio a escola. A reprimenda da professora, o gesto aborrecido que transparece sem se querer, o instinto natural que ordena que cante, sempre a saudade avivando o semblante triste da mais bonita e triste das artistas portuguesas.
Ainda hoje Amália recorda os seus tempos. Lembra-se, por exemplo, duma tarde em que, sem razão, foi esbofeteada na escola. O choro convulsivo da criança foi tão profundo, tão magoado, tão extenso e copioso que a mestra

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